sábado, 23 de outubro de 2010

curta é a vida, longa é a paixão

Tentei dizer quanto te amava, aquela vez, baixinho,
mas havia um grande berreiro, um enorme burburinho
e, pensando bem, um berçário não é o melhor lugar.
Nós dois de fraldas, lado a lado
cada um recém-chegado.
Você sem poder ouvir, eu sem saber falar.

Tentei de novo, lembro bem, na escola.
Com um PS num pedido de cola
interceptado pela professora feito gavião.
Eu fui parar na diretoria
enquanto você, desalmada, ria
- curta é a vida, longa é a paixão.

Numa festinha, ah, suas festinhas, disse tudo:
"Te adoro, te venero, ma tua frente fico mudo."
E você tomando goles de um silencioso Hi-Fi.
Só mais tarde eu atinei:
cheio de Cuba e amor, me enganei.
Tinha dito tudo para o senhor seu pai.

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome e o meu, flechas, palpitações.
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou pessoa pouco grata
corrido aos gritos de "Mata!"
por ambientalistas e afins.

Recorri, desesperado, a um gesto obsoleto:
"Se não me seguram, faço um soneto!"
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Mas você nem ficou sabendo.
Ele continua inédito, por você plangendo
- mas fui premiado num concurso de Minas.

Comecei a escrever, com pincel e piche
em muros brancos, o asseio que se lixe,
todo o meu amor para a sua ciência.
Fui preso aos socos e fichado.
Dias e mais dias interrogado.
Era PC, PC do B ou outra dissidência?

Te escrevi com lágrimas, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional.
Como resposta nem uma cartinha.
Nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio nacional...

Com uma serenata, sim, uma serenata
como as do tempo da "Cabocla ingrata"
me declararia, respeitando a métrica.
Ardor, tenor, calçada enluarada
havia tudo sob a sua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.

Decidi, então, botar a maior banca
e escrever no céu com fumaça branca:
"Te amo, assinado..." e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê
tudo para impressionar você...
Veio a crise do petróleo e faltou o combustível.

Ontem finalmente cheguei ao seu ouvido
e, na discoteca, em meio ao alarido
despejei o meu pobre coração.
Falei da devoção há anos entalada
e você disse: "Com essa música, não escuto nada!"
Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado
em meio a um silêncio abençoado
te direi tudo o que eu queria, meu bem.
Meu único medo é que então
empinando a orelha com a mão
você me responda... "Hein?"

(LFV)



é dele, mas fato que podia ser meu.

e vamo que vamo!

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